terça-feira, 6 de abril de 2010

Poesia Matemática


As folhas tantas
Do livro matemático
Um quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base,
Uma figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide.
Corpo Octogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela
Até que se encontraram
No infinito.
“Quem és tu?”, indagou ele
Com ânsia radical.
“Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de hipotenusa.”

E de falarem descobriram quem eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs –
Primos - entre - si.

E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas senóidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.

E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma perpendicular.

Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.

E se casaram e tiveram uma secante e três cones.

Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.

Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.

Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.


Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.

Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
E tudo que era espúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.


Trinta anos de mim mesmo, Millôr Fernandes. Rio de Janeiro, Nórdica, 1972.


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